“Às vezes creio que personifico o inconsciente obscuro da raça humana. Sei que soa mal porém me encanta...” Vincent Price
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Minh’alma Avoada.
É alegre o vôo da pipa
levando com ela minh’alma ligada ao meu corpo pela fina e frágil linha de
algodão. Eu aqui no chão e minh’alma no céu. Meus pensamentos estão lá, no meio
das nuvens, em conversas vivas com as andorinhas que anunciam a chegada da
chuva no final do dia. Sinto o cheiro úmido de terra molhada vindo de longe. De
repente vem outra pipa, feroz e rápida, vinda de não sei onde e num piscar de
olhos ceifa minha linha fazendo minha pipa balouçar sem controle, desconectada
de meu corpo. Corro sem saber onde piso, num caminho cheio de pedras, fenestras
e tropeços e com olhar fixo na inanimada pipa largada ao vento como mecha de
cabelo cortado, numa tentativa vã de salvá-la para resgatar minha alegria. Outros
meninos correm para roubarem de mim o precioso troféu e se encherem de maneira
espúria, da minh’alma e de minha alegria. É lícito pelas regras da vida. Pipa
“avoada” perde seu dono, dizem. Caio ao chão sem perde-la de vista e assisto a
pipa prender-se serenamente no alto de uma frondosa mangueira carregada de flores
anunciando em sua profusão de rosa, verde, ferrugem e marron, a profícua
colheita vindoura. Com os joelhos ralados cheios de terra misturada ao sangue
que brota em pontinhos brilhantes eu grito:
_Vitória! Ainda verei uma parte de mim, mesmo que só o esqueleto em
varetas de bambu, no topo desta mangueira! E quando as doces mangas começarem a
cair, maduras pelo sol de janeiro, terei em minha boca o doce sabor de meus
sonhos!
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