quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

CONDENADO AO PASSADO


Peter não estava se sentindo muito bem. Desde o início da semana que não dormia direito. Apesar de não lembrar de acordar durante a noite, tinha pesadelos frequentes e assustadores que faziam com que acordasse cansado. Sua mãe estava preocupada, achando que ele poderia estar escondendo algo dela. Mesmo sendo já um jovem adulto, perto de seus 20 anos, Peter poderia estar envolvido com alguma coisa que não o estivesse fazendo bem, como drogas, álcool ou coisas do gênero. Ela mesma marcou com o Dr. Robert, médico da família por gerações, para que fizesse alguns exames. Para ela, Peter estava visivelmente anêmico.
- Mãe, não se preocupe. Estou em período de provas no colégio, e preciso me graduar com notas que me deixem apto a ir para a Maryland University. E isso está me deixando extremamente estressado! Já perdi muito tempo depois que papai morreu e agora é minha chance de ser alguém e poder te dar uma velhice tranquila!
A consulta com o Dr. Robert, que analisou o hemograma de Peter e fez alguns testes com ele, confirmou o prognóstico de sua mãe. Peter estava com uma grave anemia. A suspeita de hemofilia era grande. Dr. Robert solicitou um exame de tempo de tromboplastina parcial ativada prolongado com tempo de protrombina e tempo de coagulação normal dentre outros que pudessem confirmar ou não as suspeitas.
Samantha, mãe de Peter, saiu do consultório completamente arrasada. A possibilidade de perder seu filho com uma grave doença a deixava transtornada. Havia perdido seu avô na Segunda Guerra Mundial, seu pai na Guerra do Vietnam e seu marido na Guerra do Golfo, lamentavelmente se tornando umas das 35 vítimas do chamado “fogo amigo”, atingido por engano por soldados de sua própria tropa durante a Operação Tempestade no Deserto. Perder Peter, seu único filho, faria dela uma mulher extremamente infeliz.
Peter tinha certeza de que não estava doente. Algo lhe dizia que aquilo não passava de um distúrbio temporário. Porém, os pesadelos começaram a se tornar mais nítidos e verdadeiros. Neles, Peter lutava contra seres assustadores que o levavam a lugares estranhos onde podia ver outras pessoas e animais cativos sofrendo todo o tipo de intervenções invasivas em seus corpos. E acordava exausto. Fez algumas pesquisas na internet e concluiu que sofria de “Terror Noturno”, uma atividade anormal do cérebro que ocorre durante o sono, segundo os médicos, e que afeta principalmente crianças e raramente adolescentes.
- Sim, é isso! Lembro de ter estes pesadelos desde criança. Agora, com certeza, estão mais graves por causa do stress no colégio. Mas, e a anemia? Tenho certeza de que esta história de hemofilia não é verdadeira. Os exames irão confirmar o que eu já sei.
Numa noite, antes de dormir, encontrou sua mãe na sala, junto à lareira, olhando os porta-retratos com as fotos da família. Neles estavam seu bisavô, seu avô e seu pai. Estranhamente, daquela vez percebeu que agora, já quase adulto, era muito parecido com seu bisavô Walter que morrera na Segunda Guerra Mundial. Haviam várias versões sobre ele. Uma delas, dizia que, mesmo depois de ter sido dado como morto na Segunda Grande Guerra, havia voltado para casa e para os braços de Sarah, sua jovem esposa mantendo em segredo seu retorno para que ela não deixasse de receber a pensão militar. Uma névoa de mistério cercava todas as histórias sobre o velho Walter. Uma outra versão dizia que Sarah, viúva, havia casado coincidentemente com um outro Walter ainda grávida de seu Walter dado como morto. Enfim, ninguém sabia se aquele velho Walter que tanto alegrava as festas familiares com suas piadas e com seu incrível conhecimento científico e suas previsões sobre os acontecimentos políticos e tecnológicos, além de suas memoráveis bebedeiras era o verdadeiro ou o escolhido pela viúva Sarah. Peter olhou ao redor e sentiu uma estranha sensação ao ver os detalhes da velha casa onde moraram todos aqueles que estavam nos melancólicos porta-retratos.
Parecia que sua mãe estava pressentindo algo. Aquela noite não foi uma noite como as outras. Logo depois de adormecer, Peter teve mais um de seus pesadelos realísticos. Mas, desta vez foi grave. Peter acordou no meio da noite, assustado com mais uma crise de terror noturno, mas desta vez, pode constatar que aquilo que vivenciou em suas noites era real. Viu em seu quarto, dois homúnculos de cor cinza que o imobilizaram e com um simples aceno, fizeram com que Peter fosse levado por uma forte luz até o interior de uma pequena nave que pairava sobre sua casa. No interior desta nave, após passar por uma estreita escotilha, Peter foi colocado em uma cadeira, preso por uma energia que não permitia que se movimentasse, por mais que se esforçasse em sair de lá. Pode ver por uma pequena janela, o telhado de sua casa e, rapidamente, seu bairro, sua cidade, seu país e seu planeta. Em instantes, percebeu que a pequena nave entrou em uma outra de tamanho gigantesco. Após ser retirado do transporte que o abduziu, pode ver a enormidade da nave. Nela cabiam navios, aviões, tanques e armamentos de guerra, animais de grande porte, ônibus e até mesmo construções de várias épocas. Era um verdadeiro museu da história da humanidade. Peter foi levado até um setor da nave onde já haviam milhares de portas como um grande presídio. Na entrada de uma das pequenas celas, sua foto junto à porta, com alguma coisa escrita em sinais que mais pareciam hieróglifos indecifráveis. Nesta cela, Peter foi literalmente jogado como um animal. Olhou cuidadosamente para sua cela e viu que parecia com as mesmas que via quando visitava o Zoológico de Maryland, em Baltimore. Num canto, uma bacia metálica contendo água e ao lado, um pote com grãos que mais pareciam com ração destas dadas a cachorros. No canto oposto, um duto onde certamente seria o lugar para suas necessidades fisiológicas. Peter ficou ali, tremendo de pavor, ouvindo todos os ruídos que soavam pelo lugar: gritos humanos, sons de animais, ruídos metálicos, motores, passos, sons eletrônicos. Desta vez, ele tinha certeza de que aquilo não se tratava de um sonho. Realmente, estava consciente de sua abdução. Antes que conseguisse cair no sono, exaurido pelo medo e pelo stress, dois seres de cor cinza, certamente aqueles chamados de Greys pelos ufólogos experientes, chegaram até sua cela e o carregaram arrastando-o por estreitos dutos que se faziam de corredores que conectavam setores da enorme nave. Peter foi jogado em uma maca e examinado, certamente mais uma vez de muitas desde que sua infância. Retiraram amostras de seu sangue, retiraram um implante de algo semelhante à um chip de seu pescoço e implantaram outro. Toda a operação foi feita rapidamente como se os pequenos e violentos Greys tivessem pressa. Com a mesma agressiva pressa, retiraram o pijama que Peter ainda vestia e colocaram nele um uniforme militar. Passivamente, já que não tinha como reagir, pois seu corpo todo estava entorpecido, estranhou o fato e ainda teve como perceber que se tratava de um uniforme de soldado da Segunda Guerra Mundial. Um dos Greys, com uma enorme seringa nas suas mãos de dedos longos, injetou algo no canto de seu olho esquerdo, fazendo com que ele desacordasse de dor.
Peter acordou numa outra sala, desta vez totalmente branca, onde não conseguiu distinguir qualquer detalhe. A luz do ambiente era muito forte, causando a ele uma cegueira temporária. Antes que pudesse tentar perceber onde estava, sentiu seu corpo todo formigar e ao olhar suas mãos, viu por uns instantes que ela começava a desaparecer em pequenos grãos que vibravam e desapareciam.
O sótão parecia familiar. O mesmo espaço, as mesmas estruturas de madeira e as mesmas pequenas janelas que deixavam a luz entrar por suas aberturas junto ao telhado. Peter esgueirou-se até uma delas e pode ver a rua, as casas vizinhas e reconheceu o lugar. Estava de volta à sua casa. Porém, os automóveis eram antigos e as poucas pessoas que passavam pela rua vestiam-se como se estivessem na década de 1940. Pela mesma janela, viu dois oficiais se aproximarem da casa. Pode ouvir os passos no chão de madeira da casa e o ruído de porta se abrindo. Murmúrios de vozes masculinas quase inaudíveis.  Após alguns momentos, estes mesmos oficiais foram embora, entrando em um belo e reluzente Chevrolet preto. Pode então ouvir um choro convulsivo de uma jovem mulher que quebrava algumas coisas como se estivesse revoltada com as notícias trazidas pelos oficiais. Peter, atordoado, não sabia o que fazer. Tinha certeza de ter voltado para casa, mas em outra época. Não lhe restava outra opção senão descer e tentar compreender o que estava acontecendo. Abriu a pequena porta do sótão e desceu vagarosamente as escadas, ainda ouvindo o choro e o som de coisas sendo atiradas contra paredes. Parou sua descida ao deparar-se com uma bela jovem. Era Sarah. Reconheceu-a pelas fotos que sua mãe mantinha num dos porta-retratos. Sarah olhou para Peter e gritou: - Walter!!! – desmaiando em seguida. Peter correu para socorrê-la e ao olhar seus olhos azuis se abrirem e sua boca de lábios cor de rosa dizerem – meu amor, Peter resignado, não se conteve. Sentiu uma vibração no chip implantado em seu pescoço e uma incontrolável compulsão em beijá-la profundamente.

  


 

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