“Às vezes creio que personifico o inconsciente obscuro da raça humana. Sei que soa mal porém me encanta...” Vincent Price
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Minh’alma Avoada.
É alegre o vôo da pipa
levando com ela minh’alma ligada ao meu corpo pela fina e frágil linha de
algodão. Eu aqui no chão e minh’alma no céu. Meus pensamentos estão lá, no meio
das nuvens, em conversas vivas com as andorinhas que anunciam a chegada da
chuva no final do dia. Sinto o cheiro úmido de terra molhada vindo de longe. De
repente vem outra pipa, feroz e rápida, vinda de não sei onde e num piscar de
olhos ceifa minha linha fazendo minha pipa balouçar sem controle, desconectada
de meu corpo. Corro sem saber onde piso, num caminho cheio de pedras, fenestras
e tropeços e com olhar fixo na inanimada pipa largada ao vento como mecha de
cabelo cortado, numa tentativa vã de salvá-la para resgatar minha alegria. Outros
meninos correm para roubarem de mim o precioso troféu e se encherem de maneira
espúria, da minh’alma e de minha alegria. É lícito pelas regras da vida. Pipa
“avoada” perde seu dono, dizem. Caio ao chão sem perde-la de vista e assisto a
pipa prender-se serenamente no alto de uma frondosa mangueira carregada de flores
anunciando em sua profusão de rosa, verde, ferrugem e marron, a profícua
colheita vindoura. Com os joelhos ralados cheios de terra misturada ao sangue
que brota em pontinhos brilhantes eu grito:
_Vitória! Ainda verei uma parte de mim, mesmo que só o esqueleto em
varetas de bambu, no topo desta mangueira! E quando as doces mangas começarem a
cair, maduras pelo sol de janeiro, terei em minha boca o doce sabor de meus
sonhos!
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Vingança
A cerveja
desceu suave. Era como se tivesse aberto o caminho com uma dose de steinhaeger
antes do gole merecido da bebida gelada. Olhos cerrados, franzindo suas
têmporas que já apresentavam algumas rugas do tempo, o punho forte levantando a
caneca de vidro transparente, levando como um guindaste criado pelo conjunto
braço, punho, caneca e cabeça, a cerveja escorrer pelos cantos da boca. A cabeça
inclinada evidenciava o pomo de adão, único a mostrar que o líquido descia
escandalosamente rápido pela sua garganta. Em menos de 20 segundos, jogou sua
cabeça para frente, maxilar travado, lábios dramaticamente abertos com um ruído
sibilante saindo por entre os dentes amarelados pelo cigarro. A caneca bateu no
balcão como um martelo. Um gemido de prazer em forma de um interminável “ah”
fez o barman trazer, sem ser consultado, mais uma caneca com a bela bebida
encimada por uma cândida espuma.
_ Este
primeiro desceu bem. Foi para matar minha sede. Este segundo, bem, este é para
sorver com calma e aproveitar o sabor. Não, não quero nada para comer. Quero
sentir o álcool entrando sem interferências em meu sangue. Quero meu cérebro
ébrio. Morrer de barriga cheia não me parece ser coisa boa. Não gosto de pensar
na comida apodrecendo mais rápido que minha carne. Deve ser como um porco ou um
perú recheados com frutas, farofas e outros recheios. Mortos mas estufados de
comida. Eu disse a ela que fosse primeiro. Eu precisava passar aqui neste bar
que tantas vezes me acolheu em minhas incertezas e nas errantes certezas. Ela
insistiu para que eu ficasse. Para quê? Perpetuar o sofrimento? Manter por mais
alguns minutos nossa tragédia viva? Ser ao seu lado, cúmplice de sua envolvente
loucura que me leva agora a este extremo? Não! Ela que vá primeiro. Antes eu
tinha que vir até o bar. Sempre foi assim! Ela concordou a contragosto.
_ Você
prepara para mim? Acho que tenho medo – disse ela tranquilamente, certa de ter
escolhido esta opção em por fim a sua vida.
_ Ora, eu
preparo para você. Não corroo risco de ser preso por este delito. Não numa
cadeia. Talvez num caixão barato. Mas só o meu corpo. Você me espera do outro
lado como combinamos, ok?
_ Claro,
meu amor. Não vou te decepcionar. Sou sua para sempre, aqui e depois da morte.
Vamos viver eternamente!
Preparei o
veneno como quem prepara um delicioso drink. Levei o copo até ela que pediu:
_ Agora
sai. Não quero que você veja. Vai beber sua cerveja, se despedir de seu bar
preferido. Estarei te esperando do outro lado. Confio em você.
Beijei sua
boca buscando seu sabor com minha já sentenciada língua. Saí andando de costas
e fechei a porta fazendo seu lindo e sorridente rosto desaparecer.
A segunda
caneca acabou. _ Bebo outro ou paro por aqui? – pensei. Ora, vou tomar mais um
e tomar coragem para concluir o que já está decidido. A terceira caneca chegou.
Parecia mais brilhante, amarelo ouro, com a espuma branca e espessa
contrastando com o escuro ambiente do bar. Talvez tenha olhado para a caneca
com certa nostalgia, e percebido detalhes que antes não levava em conta. O que
antes era apenas uma caneca de cerveja, parecia agora um presente de Deus, uma
dádiva, um maná. Tirei do bolso de meu paletó o pequeno frasco do potente
veneno e bebi de um só gole. Antes que ele chegasse ao estômago, tomei o
conteúdo da caneca da mesma maneira que fiz com a primeira. Sem saber quanto
tempo levaria para morrer, tirei umas notas de dinheiro do bolso e deixei no
balcão. Não queria ir para o outro lado deixando dívidas de bar. Já as de
banco, quem se importa com isso? Sempre me roubaram todos estes anos.
O bar
começou a parecer turvo, minha cabeça ficou dormente, um gosto amargo de sangue
subiu por minha garganta enchendo minha boca com seu ferruginoso sabor. Minha
cabeça caiu inerte e pesada sobre o balcão, da mesma forma que eu fizera com as
canecas durante dezenas de anos.
Saí de meu
corpo, sentindo-me leve. Vi todos do bar correndo e tentando me reanimar. Achei
aquilo engraçado pois sabia que era em vão. Virei para a porta, instintivamente
buscando a saída e vi minha amada. Para minha surpresa, ela não estava morta.
Estava acompanhada de uma outra, de mãos dadas. Olhou para meu corpo caído, com
as pessoas se afastando por não terem mais nada a fazer, olhou para sua
companheira e esboçaram um sorriso, saindo em seguida.
Pobre
amada. Desde então assombro sua vida, transformando em medo todas as coisas a
sua volta. Serei impiedoso em minha vingança até o dia que eu conseguir
trazê-la para o meu lado. E ela será eternamente minha.
Paul Richard Ugo
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Paul Richard assina com a Editora Autografia.
Paul Richard Ugo assinou contrato para a publicação de seu livro de contos CONTOS DE ALGUNS LUGARES com a Editora Autografia. São 22 contos de mistério, suspense e terror psicológico que deverá estar nas livrarias até o final de 2015. Aqui no blog você poderá ler alguns trechos e outros por inteiro, dos contos que compõem o livro.
domingo, 28 de junho de 2015
FIM DE DOMINGO
Resisto. Resisto ao sono que insiste em me dominar. Já passa
de meia noite e, daí já é segunda feira. Mas insisto em prolongar o domingo.
Segunda será só depois que eu acordar. A rotina da semana que começará daqui a
pouco já me deixa incomodado. A dureza das obrigações, do trabalho, das contas,
da falta de tempo para nada fazer, ou de fazer aquilo que se gosta, me tira a
paz. Paz que tenho agora, sozinho diante de mim mesmo, sem máscaras ou sem
personagens. A azia sobe pela minha garganta me lembrando dos excessos
intermináveis de bebidas e comidas dominicais, mas isso não me soa ruim. Mas ainda
há tempo de mais uma dose pois o meu domingo deve continuar. Nem que por mais
um gole. Preencho o vazio que os problemas deixam em minha vida, como meteoros
que abrem crateras em solo fértil, escrevendo, ouvindo e vendo coisas que me enchem
a alma. E que me emocionam. Sei da inevitável responsabilidade das coisas que
virão com a segunda feira. Mas, olhando-as daqui, do alto de minha alma plena de
criatividade, sedenta de arte e estética, sempre em busca do sentido mais puro
de minha existência, vejo que são coisas menores, mas tal qual cupins, nos
corroem a vida. O sono arde em meus olhos. O tictac interminável do relógio
agora soa mais alto. O silêncio me faz ouvir minha alma vibrando e me faz perceber
a impossibilidade de que a busca por este acúmulo de informações, experiências
e compreensão do que realmente sou possa terminar um dia. Não. Além do legado que
deixamos com nossos filhos, da interação com outras pessoas, do que ensinamos,
do que construímos, do que produzimos, do que plantamos e que ficarão para
outras gerações, percebo cada vez mais que no final, levaremos esta bagagem
intangível do conhecimento para algum lugar que só reconheceremos na hora final.
E que será o nosso ponto de partida para uma outra viagem.
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Alegres Folhas Mortas
Neste momento já é alta a
madrugada, quando todos dormem e o silêncio me envolve. É hora que meus
pensamentos me transportam a um quase transe e me levam a escrever. Lá fora, ao
longe, ouço mansas ondas quebrando na praia. A brisa leve faz as folhas secas
farfalharem baixinho ao correrem alegres pela varanda como crianças noturnas
brincando livres dos olhos dos pais. Encho minha taça com um pouco mais do
tinto italiano da Toscana. Continuo a escrever de onde parei na noite anterior. Mais um conto para concluir meu livro. E este último, tão assustador que não
parece ter sido escrito por mim. Olho para o relógio que marca agora três
horas. O silêncio agora é total. E sei o que isso quer dizer. E tiro proveito
desta hora, profícua para estar em contato com o sobrenatural. Estou quase no
final do último parágrafo do conto e ouço agora paços se aproximando pela
varanda. Apago rapidamente o abajur e acendo as luzes da varanda. Corro agora
até uma seteira de onde consigo observar toda a varanda para tentar ver alguma
coisa por entre a névoa. Não vejo ninguém. Os passos agora estão mais fortes e
consigo ver aterrorizado, as pobres folhas secas antes faceiras e brincalhonas
sendo amassadas por invisíveis pegadas. O ar me falta aos pulmões de tanto
pavor. Agora, ouço fracas batidas na porta. Me ponho diante dela e pergunto
baixinho, evitando acordar minha família: _ quem é você e o que quer? – Uma voz
masculina grave, porém em tom amistoso e cordial responde: _ abra a porta, pois
assim entrarei e saberá quem sou. Não
temas, pois, estou aqui para concluir o que minha morte interrompeu. Seguro a
maçaneta que estava mais gelada ainda que minhas mãos trêmulas e abro a porta
vagarosamente, num rompante de coragem e medo. Uma forte rajada de vento cuida
agora de abrir totalmente a porta, fazendo entrarem as alegres e mortas folhas
secas. Com a visão prejudicada pela poeira que me vem aos olhos não consigo ver
nada além das folhas, da névoa e da escuridão da noite. Fecho a porta contra a
força do vento que aos poucos enfraquece. Ainda assustado, tentando imaginar o porquê
de tal alucinação, volto agora para a sala e para minha surpresa, sobre a mesa
onde escrevi as últimas palavras de meu novo livro, vejo pequenas folhas secas
formando, numa graciosa dança coreografada, a palavra “obrigado”. Sem entender,
ainda atônito e assustado, olho agora para as folhas de papel onde posso agora
ver surgirem do nada, o texto que vou relatar agora, conforme as palavras estão
se formando: “_e agora me despeço deste escritor que tão boa forma deu às
histórias que o intuí e por muitas vezes soprei aos seus ouvidos da alma. Este
é o livro que ficou pendente todos estes anos depois que o cancro resultou em
minha morte. Durante este tempo, não encontrei alguém que pudesse ser sensível
o suficiente para transcrever meus últimos contos. Agora está concluído. Posso
descansar em paz e seguir o meu caminho em busca do conhecimento eterno. Meu
nome é H P Lovecraft. E passo a você, todo o meu dom para continuar a escrever.
Emocionado, vejo agora que as
folhas secas se levantam num pequeno ciclone, caminham pela sala
silenciosamente em seu turbilhão e passam por debaixo da porta. Não sou mais o
mesmo. Carrego agora uma responsabilidade. Recebi um fardo do qual procurarei
honrá-lo. Espero não decepcionar. CLIQUE AQUI E LEIA ESTE E OUTROS CONTOS!
Manequim
As vitrines ali e eu, cansado de buscar não sei o que,
olhando a disformidade de minha imagem tal espelhos de parque de diversões
mambembe. Mas, é verdade. Não sou mais quem acho que sou. A idade é cruel e
agora, por um rápido lampejo, vejo minha real imagem. Me assusto. Não tem
volta. O narcisismo cai no chão e me desespero silenciosamente. Com um sorriso
disfarçado, me lanço na felicidade dura dos manequins da vitrine. Sempre
jovens, com as melhores roupas, invejados em suas formas. Mas, como eu, preso em
minhas imagens distorcidas, eles estão presos em suas vitrines. Eles vêem a
vida passando com seus olhos de vidro. Eu envelheço. Sigo em frente a caminho
do final certeiro. Eles ficam olhando. Nas vitrines.
domingo, 24 de maio de 2015
Dormiu um sono pesado e acordou cansado?
Normalmente acordamos algumas vezes durante a noite, seja para irmos ao banheiro, para beber água, por conta de um mosquito ou de um carro mais barulhento que corta o silêncio da madrugada. Mas, às vezes dormimos tão profundamente que só percebemos ao acordarmos pela manhã. E muitas vezes, ao invés de estarmos descansados pela profunda noite de sono, nos sentimos cansados, exaustos, algumas vezes com dores de cabeça, sem lembrar de nenhum sonho, ou se lembra, é algo difuso, difícil de ser entendido ou fazer sentido. Claro que muitos sonhos não fazem sentido. Mas os que menciono, são aqueles dos quais você lembra de ter tido contato com alguém que você nem conhece. Pois você pode ter vivenciado um trabalho além do seu corpo. Vou tentar explicar. Nosso espírito, quando encarnado, vibra dentro da capacidade de nosso corpo de reverberar ondas e receber assim como rádios transmissores e receptores. Muitas vezes quando dormimos, nosso espírito se desprende de nosso corpo e volta a vibrar na frequência espiritual e que nos faz voltarmos ao nosso estado inicial, o espírito, com todos os poderes que aprendemos e conquistamos quando estamos do outro lado. E alguns tem poderes de cura, outros de intuição, outros de encaminhamento, dentre vários tipos de competências que nos são dadas no plano espiritual. Ao sairmos de nosso corpo durante o sono, podemos ser chamados a realizar algum trabalho importante. E temos que atender a estes chamados. Eu mesmo lembro de dois eventos muito sérios que me deixaram transtornado por muitos anos até que eu pudesse compreender o que havia acontecido. E este trabalho espiritual muitas vezes requer demais de nossa energia, o que faz com que, ao acordarmos, nos sintamos cansados, esgotados. Portanto, não pense que você dormiu mal. Certamente você foi chamado para ajudar em alguma atividade. Claro está que se você é uma pessoa boa, com um espírito elevado e que tem valores morais, éticos, e que respeita o próximo e busca melhorar como pessoa a cada dia, será chamado para ajudar a espíritos e até a Anjos da Guarda que se utilizarão de sua poderosa vibração para dar conforto aos que precisam, sejam encarnados ou não. Agora, se você age de má fé, não respeita o próximo, não é ético, não busca o conhecimento que eleve seu espírito e se cerca de seres humanos que vibram negativamente, também será chamado. Mas não será por seres elevados. Será chamado por aqueles espíritos maus, de vibração negativa, que estão ao serviço da legião que busca o desequilíbrio, a discórdia, as doenças e a cizania. E esteja certo de que, quando você morrer, será levado por eles para engrossar esta legião de espíritos involuídos que creem ser os poderosos no caminho inverso ao que Deus nos criou. Já os de boa índole, ah, para estes o caminho será lindo e cheio de crescimento, conhecimento e evolução. Agora, antes de dormir, pense nestas palavras e vá sem medo, se entregar ao chamado. Mas antes, tente vibrar positivamente, fazendo do amor, da caridade, da humildade, da ética, do respeito e da compaixão, o alimento de seu espírito para que possa ser um soldado que irá manter a ordem espiritual e a evolução do universo.
Paul Richard Ugo.
Paul Richard Ugo.
domingo, 19 de abril de 2015
COISAS DE VIVER.
Durante
toda a semana, anseio pela chegada do domingo. Trabalhar de segunda à sábado é
cansativo. Só quem trabalha com este tipo de jornada, sabe do que estou
falando. Enfim, ele chega! O domingo. E o sol vem com força, festejar este tão
esperado dia. Descanso? Não! Dar banho nos cachorros, cortar a grama, lavar o
carro, consertar o chuveiro, ajudar com a louça, arrumar o quarto de guardados,
o famoso “quartinho”, e jogar fora tudo o que não serve mais. Não reparamos,
mas fico surpreso de como guardamos coisas inúteis! Na verdade, esta última
tarefa, a de arrumar o “quartinho” é a mais árdua. Você sempre acha que aquele
pedaço de arame enferrujado, o ventilador quebrado, o rolo de pintura sujo, a
lata de tinta com um “restinho”, dentre centenas de coisas velhas, vão servir
para alguma coisa. Mas, impiedosamente recolho tudo fazendo a seguinte
pergunta: _Quando foi a última vez que precisei usar estas coisas? Se mais de
seis meses ou eu não lembro quando, o caminho é a lixeira. Assim foram, neste
domingo de descanso, computadores queimados, caixas de som furadas, fios,
lustres quebrados, televisores pifados, revistas velhas, livros de receitas,
ventiladores sem pás, enfim, muita sucata, algumas até possíveis de serem
recuperadas mas substituídas pela mágica da obsolescência que nos traz sempre
novidades tecnológicas. Mas, uma coisa eu achei no fundo de um armário, coberto
por uma fina camada de poeira e mofo: a minha caixa de recordações.
Imediatamente, ao ver a caixa, lembrei-me de um grande amigo que, ironicamente
não está presente dentro das recordações da caixa, mas que me ensinou muitas
coisas sobre a vida, inclusive a importância de termos uma caixa (e ele tem a
dele) com nossas “coisas de viver”. Ele fala sempre sobre um poema de Horacio
Ferrer, musicado por Astor Piazzolla, ambos seus patrícios portenhos (a bem da verdade, Horacio era uruguaio e Astor nasceu em Mar del Plata. Mas ambos morreram em Buenos Aires), a “Balada
para mi muerte”. Num trecho do belíssimo tango, pode-se ouvir o trecho:
“Moriré em Buenos Aires, será de madrugada,
Guardaré mansamente las cosas de vivir,
Mi pequeña poesia de adioses y de balas,
Mi tabaco, mi tango, mi puñado de esplín,
Me pondré por los hombros, de abrigo, toda
el alba,
Mi penúltimo whisky, quedará sin beber!”
Peguei
a caixa e, dentro dela, encontrei tesouros daqueles que valem mais do que
qualquer coisa material. Cada pedaço amarelado de papel, cada desenho, cada
postal carta ou bilhete, que, na verdade não valem nada em sua materialidade,
trazem a força mágica de nos transportar aos momentos felizes que vivemos no
passado. A reencontrarmos a energia de pessoas que compartilharam momentos de
nossa história de vida, num verdadeiro túnel do tempo. Nossas coisas de viver
são incapazes de nos trazer de volta o tempo passado. Mas são capazes, com sua
enorme força, de levar nossos espíritos a revisitar momentos felizes. Mais do
que simples fotos, estes pedaços de papel surrados pelo tempo, rotos pelas
traças, manchados pelo mofo, são a materialização das emoções que tivemos.
Ao
colecionar estas preciosidades ainda jovem, imaginei que valeriam muito para
mim. Agora, do alto de minha idade, fico feliz por ter preservado este tesouro.
Podem, uns e outros, perguntarem o que isso importa na vida prática. Para estes
eu respondo que as coisas de viver servem para que eu descubra quem fui e quem
sou hoje. Servem para eu descobrir porque sou quem sou. Servem para que nunca
esqueça das pessoas, mesmo as que não estão dentro da caixa, que forjaram minha
vida com o que elas tinham de mais puro em suas almas. Para quem não tem sua
caixa de “coisas de viver”, sempre há tempo. Ela é a materialização de nosso
espírito enquanto ainda estamos por aqui. É a nossa arca da aliança com a vida.
Paul
Richard Ugo.
AINDA É TEMPO DE MUDAR PARA MELHOR
Quanto tempo faz que você não ouve uma sinfonia clássica?
Quando foi a última vez que visitou um museu para ver obras de arte? E livros?
Quantos você leu no último ano? Teatro? Quantas peças assistiu? As respostas
poderão ser inúmeras. Desde “não gosto de música clássica”, até “não tenho
tempo para ler”. As artes não existem por acaso. Elas são a expressão máxima do
intelecto humano, que exacerbam a realidade transmitindo ao espectador, alguma
emoção. Ao termos contato com a arte, deixamos que nossas emoções provoquem um
florescer de sentimentos que dão polimento à rudeza de nossas almas. Se não
fossem tão importantes, não seriam cultuadas, disputadas e apreciadas como são.
Em 2013, um quadro de Van Gogh, o Pôr do Sol em Montmajour foi descoberto pelo
Museu que leva o mesmo nome do autor da obra. Toda a imprensa mundial deu
destaque à descoberta e o museu estimou receber mais de um milhão e duzentas
mil pessoas para vê-lo no ano seguinte. As
orquestras sinfônicas se esmeram cada vez mais nas produções de clássicos e
óperas, o cinema de arte está em evidência, as artes agora saem dos museus e
vão para as calçadas e para as comunidades. Emissoras de TV dedicam programação
exclusivamente sobre arte nos canais pagos. As produções teatrais buscam mais
tecnologias para impressionarem seus públicos e textos clássicos e do teatro
grego são adaptados para a linguagem atual. Você tem acompanhado tudo isso? Se
não, é bom começar. A arte tem a capacidade de mudar as pessoas tornando-as
mais sensíveis, mais críticas e com maior capacidade de discernimento do que é
bom e do que é ruim. A arte nos leva aos caminhos da busca pela harmonia, pelo
convívio, pela generosidade, pelo respeito e pela educação. É como se fosse um
condutor que nos leva a uma vida melhor, com mais qualidade. Mas, enquanto
fecharmos os nossos olhos para as artes, nos permitindo absorver somente o que
se produz de pior a nossa volta, de simples digestão e vazio de conteúdo
construtivo, vamos continuar em uma espiral de degradação da nossa sociedade,
continuar a eleger os piores para nos governar, vamos ser coniventes com a
falta de civilidade, a falta de respeito, a agressão, a transgressão das leis e
a violência. Basta comparar a quantidade de museus e os milhões que os
freqüentam no chamado Primeiro Mundo. Serão Primeiro Mundo por acaso? Acho que
não. Estamos nos desenvolvendo como cidadãos que sabem conviver numa sociedade
organizada? Também acho que não. Mas acredito na transformação do ser humano
pela arte e, consequentemente, pela educação. E esta transformação pode começar
por cada um de nós. Basta nos entregarmos às artes, ao conhecimento, à cultura
e à educação. Sem preconceitos, sem achar que isso é coisa de gente soberba ou
que se acha superior. E se você chegou até o final de meu texto, fico feliz.
Você é capaz de mudar. Agora, corra e compre um bom livro, visite um museu e
tente, pelo menos tente, ouvir uma sinfonia clássica. Você só tem a ganhar.
Paul Richard Ugo.
domingo, 29 de março de 2015
Alma, alma, alma
Alma, alma, alma. O que somos sem nossas cascas. Alma, alma, alma. O éter que vaga pelas noites em busca de respostas. Alma, alma, alma. O que nos faz verter lágrimas quando a emoção nos atinge. Alma, alma, alma. Que nos dá a sensação do medo, da alegria, da tristeza. Alma, alma, alma. O que nos move em busca do que não conhecemos, levando-nos ao final cheios de pesados fardos para os quais não sabemos para que se prestam. Alma, alma, alma. Nos traz a dignidade e a vergonha. Nos dá a razão e a inconsistência. Alma, alma, alma, para que se alimenta de dores? Para que se alimenta de efêmeros prazeres? Para que experimenta diversos sentimentos? Alma, alma, alma, para que trazes para si outras almas que se encantam contigo, se decepcionam contigo, se apaixonam por ti e se desesperam por ti? Alma, alma, alma, para onde vai quando a carne se esvai na putrefata morte? Qual caminho segues com tudo aquilo que viveu? Alma, alma, alma, me responda antes que tome conta de mim e me carregue contigo pelas sendas do mistério. Alma, alma, alma, será que você volta? Será que não morre com meu corpo? Alma, alma, alma, que me pegou infante ainda no ventre e me carrega até hoje. Alma, alma, alma, que outras vidas viveu, que outros planetas percorreu. Alma, alma, alma. Será eterna? Quando será seu fim? Quando foi seu começo? Alma, alma, alma... será uma mentira? Uma invenção de conexões químicas do cérebro? Alma, alma, alma, me leve contigo em tua fantástica viagem pela eternidade, conhecendo o universo e a razão de tudo.
Olho no Olho
Olho o olho que me olha no espelho. O meu olho. Tento ver
dentro dele aquilo que não vejo sem vê-lo no espelho. Não consigo achar nada no
olhar nem dentro do olho. Mas ele me olha e acho que vê mais do que vejo. Ele,
aquele que vejo no espelho, vê aquilo que os outros veem e que eu não consigo
ver. Mas, o que me importa? Tentar descobrir algo dentro daquele olho ou deixar
que o olhar que agora me olha não me diga nada além daquilo que nunca
descobrirei?
domingo, 15 de março de 2015
Pensamento.
Acho que o que acho, nunca ninguém achará. Às vezes acho que o que acham do que eu acho, já foi achado. Mas, acho que não.
Paul Richard Ugo.
Paul Richard Ugo.
segunda-feira, 2 de março de 2015
LAST DANCE
Acordei com o gosto amargo do Bourbon ainda presente na
saliva encorpada, tentando com apenas um dos olhos entreabertos, ver por entre
as grossas cortinas, se o sol já começou a subir no horizonte. Não. Ainda era
noite. As velas do candelabro ainda acesas, deram seus estalidos finais. O silêncio
do frio e da neve gelaram meus ossos. Impossível levantar. A cabeça pesava mais
que o planeta e o pequeno quarto girava em seu eixo. A cefaleia lancinante
chegava a adormecer minhas têmporas. Virei de lado e encarei os lindos olhos
verdes arregalados na minha direção. Observei que estavam um pouco embaçados,
frios e vazios. Quem seria esta mulher deitada ao meu lado? Jovem de pele clara,
percebi um filete de sangue ressecado sobre sua testa. A boca de lábios tenros
que se mostravam azulados, estava aberta como que querendo soltar uma palavra.
Com dificuldade, percebi seu corpo coberto por um lindo vestido de noite. Em
seu pescoço longo, percebi marcas arroxeadas. Senti arder o meu rosto e ao
tocá-lo encontrei com o tato de meus frios dedos, profundos arranhões que agora
ardiam como brasa. Tentei me sentar na cama, sem entender o que aconteceu e vi
garrafas quebradas pelo chão. Por entre os cacos, um pedaço de papel me chamou
a atenção. Abaixei para apanhá-lo e caí sobre os cacos, desequilibrado pela
tonteira. Mesmo sofrendo alguns cortes, me esforcei para levantar e tentar ler,
ao mesmo tempo que tentei conferir se estava realmente no quarto de minha casa.
Segurei numa das gavetas da cômoda e me apoiei para ficar de pé. A mão puxou o
pano brocado que decorava a cômoda que fazendo o candelabro cair com sua cera
quente sobre o meu rosto. O fogo se espalhou rápido por entre os cacos das
garrafas de Bourbon que ainda ensopavam os tapetes aos pés da cama. Com a luz
do fogo alto, pude ler o papel que agora se punha em chamas: Reisenweber’s Café
– Columbus Circle, 58th Street and 8th Avenue, Manhattan. Antes que a fumaça me
envolvesse totalmente até a morte, lembrei de Dora, a dançarina. Sim, era ela a
quem tanto desejei. Por que matei-a? Antes da resposta, a morte me alcançou.
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