terça-feira, 18 de março de 2014

DONA LUA

Ilustração: Dil Marcio

Dona Lua.
E
ra uma vez, numa cidadezinha na serra, uma mulher que vivia sozinha e que estava sempre no mundo da lua. Ninguém sabia de onde ela tinha vindo. Apareceu na casa do finado Seu Leônidas, muito tempo depois dele ter ido desta para melhor. Seu Leônidas era um homem misterioso, que não falava com ninguém. Nasceu e cresceu junto com a cidade mas ninguém sabia da vida dele. Não tinha família, não tinha emprego, não tinha ninguém. A casa em que vivia foi construída por ele e levou anos para ficar pronta. Depois que morreu, do que, ninguém sabe, a casa ficou abandonada durante muitos anos. Até que a mulher apareceu. Diziam que era filha de Seu Leônidas. Outros diziam que era sobrinha. Outros, mais fofoqueiros, diziam que era sua amante, que vivia em outro lugar. Dona Bianca, este era o nome dela, passava os dias na varanda da casa, bordando um pano comprido, sem parar. Ia até a venda da cidade para comprar linha e alimentos. Outra vezes, podia-se ver Dona Bianca cuidando das plantinhas que ficavam na frente da casa.
Quando Dona Bianca andava pela rua, os mais velhos ainda tentavam um “bom dia, boa tarde, boa noite” mas Dona Bianca não falava com ninguém. Só com seu Elias, dono da venda, que, depois de algum tempo, já deixava separada a compra de Dona Bianca para evitar falar com ela. PARA CONTINUAR, CLIQUE AQUI E COMPRE SEU LIVRO!

domingo, 16 de março de 2014

A BRINCADEIRA DO COPO.

Quem nunca ouviu falar sobre tábua ouija ou na chamada “brincadeira do copo”? Em minha juventude, por várias vezes reunia amigos para tentar falar com espíritos usando precários pedaços de papel cortados com as letras do alfabeto, e as palavras sim e não dispostas num círculo em volta de um copo de vidro, quase sempre de extrato de tomate, geleia ou requeijão. A verdadeira tábua Ouija era peça impossível de ser encontrada. Lembro de uma antiga livraria no Centro do Rio de Janeiro, mais precisamente no Edifício Avenida Central, que tinha várias à venda em suas vitrines. Lindas e caras peças. 

Fazer a brincadeira do copo era um momento quando tentávamos ser solenes, por entre risos nervosos e rezas tais como o Pai Nosso e a Ave Maria. Dávamos as mãos e rezávamos. Em seguida, virávamos o copo com a boca para baixo e, com os dedos sobre ele, fazíamos a esperada pergunta: _Tem alguém aí? A pergunta era repetida até que conseguíssemos fazer com que o copo fosse na direção da palavra sim. Quando isso acontecia, os olhares nervosos de todos ficavam fascinados. Afinal, o contato com o misterioso mundo espiritual estava aberto. As perguntas, por conta de nossa infante imaturidade, eram as mais tolas, tais como: _Você é homem? Mulher? De que país? – tentando criar um perfil do possível espírito. Nunca pude constatar algo que me indicasse total veracidade nos movimentos do copo. Como os dedos estavam sempre sobre ele, poderia haver uma inconsciente pressão exercida por algum participante, em busca de respostas às perguntas feitas. Mas, uma coisa posso afirmar: todas as vezes que ousei “brincar” desta maneira, o copo se movimentava com certo vigor, respondendo às perguntas feitas. Porém, nunca houve qualquer fenômeno durante ou depois de nossas sessões de contato espiritual. Ainda assim, ao final da “brincadeira”, levantávamos o copo, soprávamos, um de cada vez o seu interior e rezávamos juntos. Depois, quebrávamos o copo pois ninguém queria leva-lo para casa.

sexta-feira, 7 de março de 2014

MEU APARTAMENTO ASSOMBRADO.

Rua Delgado de Carvalho. Fui criado nesta rua. Uma tranquila rua no bairro da Tijuca, antes um bairro adorável, com gente alegre e famílias tradicionais. Depois de casado, saí de lá para tentar a vida. Foi como sair da zona de conforto e entrar num mundo feroz, de muita luta e poucos momentos de tranquilidade. Depois de um tempo fora do Rio, trabalhando em São Paulo, recebi um convite irrecusável para retornar ao Rio. O destino me levou novamente à mesma rua, que tinha um apartamento ao lado do prédio onde cresci. Aluguei o apartamento do quarto andar. Amplo, com uma enorme sala, e uma vista para as copas dos oitizeiros que sombreavam a rua. Apenas um detalhe não nos deixava à vontade na janela. Por estar ao nível da copas das árvores, as janelas estavam, também, ao nível do ninho de um pequeno gavião que costumava atacar nossas cabeças indefesas.
O prédio era um antigo conhecido. Lembro de um colega de colégio, o José, que morava no primeiro andar quando eu era criança. Filho de pais velhos, tinha todos os brinquedos que nós crianças normais desejávamos ter. Passei muitas horas de meus dias brincando em seu apartamento. Meu irmão também namorou uma bela menina que lá viveu e que gostava quando eu usava meu perfume preferido naquela época: Vitesse. No terceiro andar vivia uma rica família (para os padrões da época) donos de uma empresa de ônibus cujos filhos se divertiam em corridas de velozes karts nas pistas de Jacarepaguá. Mas, no meu retorno ao bairro, agora como um membro do prédio que tantas surpresas me provocou, agora era como uma fotografia desbotada. Dos antigos moradores, somente a filha do rico empresário que, soube mais tarde, foi sócio do antigo proprietário do apartamento que aluguei na construção do prédio, agora não tão rica depois de perder os pais e as empresas.
O apartamento fora deste rico português, dono de vários imóveis no subúrbio e de uma empresa de pneus e acessórios de automóveis, comprada depois de anos por um rico senador da república que a transformou num poderoso grupo com tentáculos corruptos em diversas áreas, terminando por ser descoberto e arruinado política e profissionalmente. Ao separar-se de sua esposa, rico, foi morar com uma jovem num famoso bairro da zona sul, deixando o apartamento para a ex esposa depois da partilha dos bens feita no divórcio. A quantidade de imóveis deste português era tamanha que ele possuía uma empresa somente apara administrar seus bens. E este apartamento estava entre os imóveis que ele administrava para sua ex esposa com quem mantinha uma cordial relação. Após a separação, ela permaneceu no apartamento durante alguns anos, amasiando-se com seu motorista que acabou assumindo o romance indo morar com ela no confortável apartamento. Homem cuidadoso, adorava o imóvel e o mantinha sempre muito bem cuidado. Não sei em que circunstâncias, este homem faleceu no apartamento, levando a mulher e sua filha saírem de lá e irem morar no subúrbio, certamente de onde saíra antes de enriquecer. Desta maneira, o apartamento ficou disponibilizado para aluguel.
As informações que passei agora para o leitor que chegou até aqui, só passou a ser de meu conhecimento após a série de eventos que vou relatar em seguida.

Minha esposa tinha o hábito de, após levar as crianças ao colégio, dar uma caminhada pelo bairro, como forma de exercitar-se. Tínhamos uma faxineira que ia uma vez por semana limpar o apartamento. Certa vez, ao chegar em casa, minha esposa encontrou esta pobre mulher no meio da cozinha, no alto da escada de armar, almoçando assustada. Ao ser perguntada por que estava ali, respondeu que, ao limpar a sala, olhou para o corredor do apartamento e viu, claramente um homem sair de nosso quarto, atravessar o corredor não sem antes olhar para ela, e entrar no quarto que era usado como escritório. Minha mulher desconversou e, quando cheguei, comentou o assunto, um pouco descrente sobre o que a faxineira havia relatado. O interessante é que esta nunca mais voltou. Uns tempos depois, minha sobrinha veio passar uns dias de férias em casa com minhas duas filhas. Após ficarem ela e minha filha mais velha, assistindo TV até tarde, olharam para um grande espelho que ficava no fundo da sala e avistaram uma figura, não muito clara, que as deixou assustadas. Esta mesma filha mais velha, nunca, desde que mudamos para o apartamento, saía de seu quarto sem passar correndo pela sala com medo de não se sabe o que. Perguntávamos a ela e ela não sabia o motivo de tamanho medo em passar pela sala. Certa vez, num verão tempestuoso, eu e minha esposa acordamos no meio da noite com a forte chuva e o vento que fazia com que as copas das árvores batessem nas janelas. Levantei lembrando que havia deixado as janelas da sala abertas e fui até lá, caminhando às escuras como de costume. Fechei as janelas que, abertas, faziam as brancas cortinas se lançarem contra as costas do sofá do jardim de inverno. Ao virar para retornar ao quarto, olhei a sala iluminada pelos postes de luz de mercúrio da rua e vi, sentado na poltrona da sala principal, um homem. Ele olhava para mim com a segurança de quem estava confortável ali. Parei, incrivelmente sem sentir medo algum, e olhei firme para a imagem que, imediatamente se dissipou como areia ao vento. Fui até o quarto e chamei minha esposa para tomar um chá, já que o fato havia retirado de mim todo o sono. Enquanto servia a xícara com água quente na mesa da copa, minha esposa disse que, após eu sair do quarto, teve a certeza de ter visto um homem junto à porta de nosso quarto, enquanto eu estava na sala fechando as janelas. Respondi de maneira bem humorada, que este homem estava, na verdade, sentado no sofá da sala. Calados, voltamos para o quarto, tentando dormir como se houvéssemos tido um estranho sonho partilhado.