Acordei com o gosto amargo do Bourbon ainda presente na
saliva encorpada, tentando com apenas um dos olhos entreabertos, ver por entre
as grossas cortinas, se o sol já começou a subir no horizonte. Não. Ainda era
noite. As velas do candelabro ainda acesas, deram seus estalidos finais. O silêncio
do frio e da neve gelaram meus ossos. Impossível levantar. A cabeça pesava mais
que o planeta e o pequeno quarto girava em seu eixo. A cefaleia lancinante
chegava a adormecer minhas têmporas. Virei de lado e encarei os lindos olhos
verdes arregalados na minha direção. Observei que estavam um pouco embaçados,
frios e vazios. Quem seria esta mulher deitada ao meu lado? Jovem de pele clara,
percebi um filete de sangue ressecado sobre sua testa. A boca de lábios tenros
que se mostravam azulados, estava aberta como que querendo soltar uma palavra.
Com dificuldade, percebi seu corpo coberto por um lindo vestido de noite. Em
seu pescoço longo, percebi marcas arroxeadas. Senti arder o meu rosto e ao
tocá-lo encontrei com o tato de meus frios dedos, profundos arranhões que agora
ardiam como brasa. Tentei me sentar na cama, sem entender o que aconteceu e vi
garrafas quebradas pelo chão. Por entre os cacos, um pedaço de papel me chamou
a atenção. Abaixei para apanhá-lo e caí sobre os cacos, desequilibrado pela
tonteira. Mesmo sofrendo alguns cortes, me esforcei para levantar e tentar ler,
ao mesmo tempo que tentei conferir se estava realmente no quarto de minha casa.
Segurei numa das gavetas da cômoda e me apoiei para ficar de pé. A mão puxou o
pano brocado que decorava a cômoda que fazendo o candelabro cair com sua cera
quente sobre o meu rosto. O fogo se espalhou rápido por entre os cacos das
garrafas de Bourbon que ainda ensopavam os tapetes aos pés da cama. Com a luz
do fogo alto, pude ler o papel que agora se punha em chamas: Reisenweber’s Café
– Columbus Circle, 58th Street and 8th Avenue, Manhattan. Antes que a fumaça me
envolvesse totalmente até a morte, lembrei de Dora, a dançarina. Sim, era ela a
quem tanto desejei. Por que matei-a? Antes da resposta, a morte me alcançou.
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