Neste momento já é alta a
madrugada, quando todos dormem e o silêncio me envolve. É hora que meus
pensamentos me transportam a um quase transe e me levam a escrever. Lá fora, ao
longe, ouço mansas ondas quebrando na praia. A brisa leve faz as folhas secas
farfalharem baixinho ao correrem alegres pela varanda como crianças noturnas
brincando livres dos olhos dos pais. Encho minha taça com um pouco mais do
tinto italiano da Toscana. Continuo a escrever de onde parei na noite anterior. Mais um conto para concluir meu livro. E este último, tão assustador que não
parece ter sido escrito por mim. Olho para o relógio que marca agora três
horas. O silêncio agora é total. E sei o que isso quer dizer. E tiro proveito
desta hora, profícua para estar em contato com o sobrenatural. Estou quase no
final do último parágrafo do conto e ouço agora paços se aproximando pela
varanda. Apago rapidamente o abajur e acendo as luzes da varanda. Corro agora
até uma seteira de onde consigo observar toda a varanda para tentar ver alguma
coisa por entre a névoa. Não vejo ninguém. Os passos agora estão mais fortes e
consigo ver aterrorizado, as pobres folhas secas antes faceiras e brincalhonas
sendo amassadas por invisíveis pegadas. O ar me falta aos pulmões de tanto
pavor. Agora, ouço fracas batidas na porta. Me ponho diante dela e pergunto
baixinho, evitando acordar minha família: _ quem é você e o que quer? – Uma voz
masculina grave, porém em tom amistoso e cordial responde: _ abra a porta, pois
assim entrarei e saberá quem sou. Não
temas, pois, estou aqui para concluir o que minha morte interrompeu. Seguro a
maçaneta que estava mais gelada ainda que minhas mãos trêmulas e abro a porta
vagarosamente, num rompante de coragem e medo. Uma forte rajada de vento cuida
agora de abrir totalmente a porta, fazendo entrarem as alegres e mortas folhas
secas. Com a visão prejudicada pela poeira que me vem aos olhos não consigo ver
nada além das folhas, da névoa e da escuridão da noite. Fecho a porta contra a
força do vento que aos poucos enfraquece. Ainda assustado, tentando imaginar o porquê
de tal alucinação, volto agora para a sala e para minha surpresa, sobre a mesa
onde escrevi as últimas palavras de meu novo livro, vejo pequenas folhas secas
formando, numa graciosa dança coreografada, a palavra “obrigado”. Sem entender,
ainda atônito e assustado, olho agora para as folhas de papel onde posso agora
ver surgirem do nada, o texto que vou relatar agora, conforme as palavras estão
se formando: “_e agora me despeço deste escritor que tão boa forma deu às
histórias que o intuí e por muitas vezes soprei aos seus ouvidos da alma. Este
é o livro que ficou pendente todos estes anos depois que o cancro resultou em
minha morte. Durante este tempo, não encontrei alguém que pudesse ser sensível
o suficiente para transcrever meus últimos contos. Agora está concluído. Posso
descansar em paz e seguir o meu caminho em busca do conhecimento eterno. Meu
nome é H P Lovecraft. E passo a você, todo o meu dom para continuar a escrever.
Emocionado, vejo agora que as
folhas secas se levantam num pequeno ciclone, caminham pela sala
silenciosamente em seu turbilhão e passam por debaixo da porta. Não sou mais o
mesmo. Carrego agora uma responsabilidade. Recebi um fardo do qual procurarei
honrá-lo. Espero não decepcionar. CLIQUE AQUI E LEIA ESTE E OUTROS CONTOS!
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