Resisto. Resisto ao sono que insiste em me dominar. Já passa
de meia noite e, daí já é segunda feira. Mas insisto em prolongar o domingo.
Segunda será só depois que eu acordar. A rotina da semana que começará daqui a
pouco já me deixa incomodado. A dureza das obrigações, do trabalho, das contas,
da falta de tempo para nada fazer, ou de fazer aquilo que se gosta, me tira a
paz. Paz que tenho agora, sozinho diante de mim mesmo, sem máscaras ou sem
personagens. A azia sobe pela minha garganta me lembrando dos excessos
intermináveis de bebidas e comidas dominicais, mas isso não me soa ruim. Mas ainda
há tempo de mais uma dose pois o meu domingo deve continuar. Nem que por mais
um gole. Preencho o vazio que os problemas deixam em minha vida, como meteoros
que abrem crateras em solo fértil, escrevendo, ouvindo e vendo coisas que me enchem
a alma. E que me emocionam. Sei da inevitável responsabilidade das coisas que
virão com a segunda feira. Mas, olhando-as daqui, do alto de minha alma plena de
criatividade, sedenta de arte e estética, sempre em busca do sentido mais puro
de minha existência, vejo que são coisas menores, mas tal qual cupins, nos
corroem a vida. O sono arde em meus olhos. O tictac interminável do relógio
agora soa mais alto. O silêncio me faz ouvir minha alma vibrando e me faz perceber
a impossibilidade de que a busca por este acúmulo de informações, experiências
e compreensão do que realmente sou possa terminar um dia. Não. Além do legado que
deixamos com nossos filhos, da interação com outras pessoas, do que ensinamos,
do que construímos, do que produzimos, do que plantamos e que ficarão para
outras gerações, percebo cada vez mais que no final, levaremos esta bagagem
intangível do conhecimento para algum lugar que só reconheceremos na hora final.
E que será o nosso ponto de partida para uma outra viagem.
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